Como Funciona a Espera por um Transplante Cardíaco?
- Gabriel Loureiro

- 10 de ago.
- 6 min de leitura
Atualizado: 24 de ago.
Recentemente, o caso de um famoso apresentador de televisão brasileiro que passou por um transplante cardíaco gerou debates acalorados nas redes sociais e na mídia. Muitas pessoas questionaram como alguém pode receber um coração tão rapidamente, enquanto outras defenderam a transparência do processo. Mas, afinal, como funciona a espera por um transplante cardíaco no Brasil? Este artigo, voltado para pacientes e familiares, explica de forma clara e acessível o processo, desde a indicação até os riscos envolvidos, desmistificando polêmicas e destacando a importância de prevenir a insuficiência cardíaca.

1. Para quem é indicado?
O transplante cardíaco é uma opção para pacientes com insuficiência cardíaca avançada, quando outros tratamentos, como medicamentos, cirurgias ou dispositivos, não são mais suficientes para manter a qualidade de vida ou a sobrevida. Geralmente, é indicado para:
Pessoas com doenças cardíacas graves, como cardiomiopatia dilatada, cardiopatia isquêmica ou cardiopatias congênitas.
Pacientes com sintomas severos, como falta de ar intensa, fadiga extrema ou internações frequentes, mesmo com tratamento otimizado.
Indivíduos com expectativa de vida limitada (geralmente menos de 1 a 2 anos) sem o transplante.
A indicação é feita por uma equipe médica especializada, que avalia se o transplante é a melhor opção com base na gravidade da doença e na saúde geral do paciente.

2. Como funciona a fila nacional?
No Brasil, a fila para transplante cardíaco é gerenciada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT), coordenado pelo Ministério da Saúde. Cada estado possui uma Central de Transplantes, que organiza a lista de espera com base em critérios médicos e éticos. A fila é única e nacional (independente do paciente estar no SUS ou no sistema privado), mas a alocação do órgão considera fatores como compatibilidade e urgência.
Quando um coração doado fica disponível, ele é oferecido ao paciente mais compatível na lista, priorizando aqueles em estado mais crítico. A logística é complexa, já que o coração precisa ser transplantado em até 4 horas após a retirada do doador. Por isso, a proximidade geográfica entre doador e receptor também pode influenciar.
3. Avaliação pré-transplante
Antes de entrar na fila, o paciente passa por uma avaliação detalhada para confirmar se o transplante é viável. Esse processo inclui:
Exames médicos: Avaliação da função cardíaca (ecocardiograma, cateterismo), exames de sangue, testes de função pulmonar, renal e hepática, além de triagem para infecções.
Avaliação psicossocial: Um psicólogo ou assistente social conversa com o paciente para avaliar o suporte familiar, a capacidade de seguir o tratamento pós-transplante (como tomar medicamentos imunossupressores) e a saúde mental.
Condições gerais: A equipe verifica se o paciente tem outras doenças (como câncer ativo ou infecções graves) que possam comprometer o sucesso do transplante.
Essa etapa é essencial para garantir que o transplante ofereça benefícios reais e que o paciente esteja preparado para os desafios do procedimento e do pós-operatório.
4. Fatores que influenciam na prioridade e chance de receber um órgão
Vários fatores determinam a posição de um paciente na fila e a probabilidade de receber um coração. Abaixo, explicamos os principais:
Tipo sanguíneo: A compatibilidade do grupo sanguíneo (A, B, AB ou O) entre doador e receptor é essencial. Pacientes com tipo O, por exemplo, só podem receber corações de doadores O, o que pode aumentar o tempo de espera, já que esse grupo é mais comum.
Peso e altura: O tamanho do coração do doador deve ser compatível com o corpo do receptor. Pacientes com peso ou altura muito diferentes da média podem esperar mais tempo, já que o órgão precisa ser proporcional.
Tipo de suporte: Pacientes em estado crítico, que dependem de dispositivos como ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea), balão intra-aórtico ou medicamentos inotrópicos (que ajudam o coração a bombear), têm prioridade. Arritmias refratárias (que não respondem a tratamento) também podem elevar a urgência, já que indicam risco iminente de morte. Existem pacientes que podem ser listados e permanecer períodos em casa, mas dificilmente conseguem receber um órgão, a menos que tenham um tipo sanguíneo mais raro. Contudo, esse paciente já ganha priorização de tempo de fila, caso interne e fique mais grave no futuro.
Painel de compatibilidade (PRA): O teste de painel reativo de anticorpos (PRA) avalia se o paciente tem anticorpos que podem rejeitar o órgão. Um PRA alto indica maior dificuldade de encontrar um órgão compatível, o que pode prolongar a espera.
Transplante prévio: No Estado de São Paulo, pacientes que já receberam um transplante (cardíaco ou de outro órgão) tem maior prioridade, pois o transplante é entendido como uma continuação do tratamento já iniciado. Assim, é menos complexo conseguir órgãos quando alguém precisa fazer novo transplante ou transplantes sequenciais.
“Sorte” (disponibilidade): Mesmo com todos os critérios médicos, a disponibilidade de um coração compatível depende da doação de órgãos. Fatores como a localização do doador e a rapidez na logística podem influenciar quem recebe o órgão. Muitos serviços inativam temporariamente pacientes em fila com infecções, até que finalizem o tratamento antibiótico. Assim, um paciente mais abaixo pode receber o órgão enquanto o primeiro da fila está inativo. Trabalhando em uma UTI de transplante cardíaco, já vi quatro pacientes receberem órgão na mesma semana, bem como passar mais de 20 dias e não surgir nenhuma doação pro paciente mais grave, primeiro da fila. Bem como já vi pacientes aguardarem mais de 6 meses ou serem transplantados em menos de 24h de listagem.

5. Para quem não é indicado?
Nem todos os pacientes com insuficiência cardíaca são candidatos ao transplante. Algumas situações podem contraindicar o procedimento, como:
Idade avançada: Embora não haja um limite fixo, pacientes muito idosos (geralmente acima de 70 anos) podem não ser elegíveis em alguns serviços, devido a menor expectativa de vida ou maior risco de complicações. No entanto, isso varia caso a caso e outros fatores podem ser considerados em pacientes com idade limítrofe.
Doenças graves concomitantes: Condições como câncer ativo, doenças pulmonares ou renais graves, ou infecções não controladas podem tornar o transplante arriscado.
Prognóstico e proporcionalidade: A equipe médica avalia se o transplante trará benefícios significativos em termos de sobrevida e qualidade de vida. Em casos de doenças múltiplas ou prognóstico muito ruim, outras opções, como cuidados paliativos, podem ser consideradas.
Capacidade de aderir ao tratamento: O transplante exige um compromisso por toda a vida com medicamentos imunossupressores e acompanhamento médico. Pacientes que não conseguem seguir essas orientações podem não ser candidatos.
6. Mortalidade pré, peri e pós-transplante
O processo de transplante cardíaco envolve riscos em todas as suas fases, e é importante que pacientes e familiares estejam cientes deles:
Pré-transplante: A espera por um coração pode ser longa, especialmente para pacientes com tipo sanguíneo mais comum ou alta incompatibilidade imunológica. Durante esse período, a insuficiência cardíaca avançada pode levar a complicações graves, como piora da função cardíaca, internações frequentes, infecções de repetição, necessidade de dispositivos invasivos ou até morte. Muitos pacientes na fila de espera podem não sobreviver até o transplante, especialmente aqueles em estado crítico sem acesso a dispositivos de suporte, como o balão intra-aórtico.
Peri-transplante: O procedimento cirúrgico é complexo e carrega riscos, como sangramentos, infecções ou complicações anestésicas. A taxa de mortalidade durante ou logo após a cirurgia depende da compatibilidade de órgãos, da condição clínica do paciente e da experiência da equipe médica.
Pós-transplante: Após o transplante, os riscos incluem rejeição do órgão, infecções (devido aos medicamentos imunossupressores) e complicações de longo prazo, como doença vascular do enxerto (obstrução das artérias do coração transplantado). A sobrevida média após o transplante é de cerca de 10-15 anos. Uma vez sobrevivendo ao primeiro ano (mais crítico) muitos pacientes vivem mais com boa qualidade de vida, desde que sigam o acompanhamento médico rigorosamente.
A importância do tratamento precoce
A insuficiência cardíaca, quando não tratada adequadamente, pode progredir rapidamente, levando a internações frequentes e à necessidade de transplante.
Alguns pacientes jovens tem causas mais raras para a insuficiência cardíaca, como fatores genéticos, miocardite ou doença de chagas, contudo a maioria das outras causas é passiva de prevenção.
Controlar fatores de risco, como hipertensão, diabetes, colesterol alto, tabagismo e obesidade, é essencial para evitar que a doença chegue a estágios avançados. Seguir as orientações médicas, tomar medicamentos conforme prescrito e adotar um estilo de vida saudável (com dieta equilibrada e exercícios adequados) pode retardar ou até evitar a necessidade de um transplante. Prevenir é a melhor forma de evitar passar os últimos anos de vida internado ou dependente de procedimentos invasivos.

Reflexão final
A espera por um transplante cardíaco pode ser um período desafiador, cheio de incertezas e emoções, como vimos nas discussões recentes sobre casos de figuras públicas. É importante que pacientes e familiares mantenham uma comunicação aberta com a equipe médica, tirem dúvidas e busquem apoio psicológico, se necessário. Além disso, a doação de órgãos é o pilar desse processo: cada doador pode salvar vidas, e conscientizar sobre a importância da doação é um passo para reduzir o tempo de espera. Por fim, cuidar da saúde cardíaca desde cedo é a melhor estratégia para evitar a progressão da insuficiência cardíaca e viver com mais qualidade e menos sofrimento.


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